Confira o que está acontecendo no Colorado nove meses após a legalização da maconha
Há 9 meses o Colorado se tornou o primeiro estado norte-americano a legalizar a maconha para uso recreativo. Desde então, ao contrário do que os críticos previam, os números tem se mostrado extremamente favoráveis. Só em agosto (último mês com dados disponíveis até o momento), o mercado legal de maconha no país movimentou algo em torno de US$67 milhões, divididos igualmente entre as vendas da maconha recreativa e da maconha medicinal.
A maconha medicinal é usada por pacientes com crises de convulsões, ansiedade, dores crônicas e até câncer, embora exista pouca evidência da eficácia da erva no combate a tumores. A forma medicinal pode ser consumida em pílulas, cremes, receitas ou tradicionalmente tragada. Algumas formas de cannabis medicinal não incluem o composto psicoativo THC, e são usadas geralmente como analgésico ou anticonvulsivo. O Colorado faz parte dos 23 estados onde seu uso é legalizado e, segundo um estudopublicado em agosto deste ano, estes estados tiveram um decréscimo de 25% nas mortes relatadas a opiáceos (como a morfina). A redução, no entanto, já era esperada: a maconha possui um efeito analgésico similar ao de opiáceos, porém, com uma toxidade muito mais baixa, o que praticamente anula o risco de uma overdose.
Mas as boas notícias não são apenas para a maconha medicinal.
Como já noticiamos anteriormente, o número de adolescentes usuários da droga não aumentou depois da legalização do uso recreacional: pelo contrário, o número só caiu desde então, apesar do aumento nas vendas.
Mesmo sendo mais tributada e mais cara que a maconha medicinal, a cannabis recreacional legalmente vendida já movimenta um mercado maior que a medicinal e suas vendas não param de crescer. Ao que os dados mostram, os usuários preferem pagar mais para comprar a erva legal, com garantia de qualidade, do que recorrer ao tráfico, onde a procedência é incerta. Parte do alto preço da cannabis recreativa deve-se aos impostos: os tributos para a erva destinada ao consumo recreativo ficam em torno de 28%, enquanto a erva vendida nas farmácias é taxada em apenas 3%.
Apesar de o mercado negro ainda existir, agora ele mudou de face. Os novos “traficantes” não são mais os gangsters que outrora dominavam o comércio da planta, mas sim cidadãos não suspeitos que usam a sua autorização para cultivar mudas de maconha medicinal como forma de obterem algum ganho.
Desde que foi legalizada, a erva está causando transtornos para traficantes mexicanos. A concorrência pelo mercado aumentou, fazendo o preço no mercado negro cair – além de, aos poucos, tornar o tráfico e o cultivo ilegal atividades não rentáveis.
“Isso não vale mais a pena. Eu queria que os americanos parassem com essa legalização”, disse Rodrigo Silla, um plantador de maconha mexicano, numa entrevista ao Washington Post.
Mas sem dúvida, a maior vantagem da legalização no Colorado foi o fim da guerra às drogas. Com a permissão para a compra e o cultivo da erva, os policiais do estado agora podem se deslocar de uma forma mais eficiente para combater crimes violentos e procurar assassinos, ao invés de correrem atrás de pessoas que portam uma planta.
Desde a legalização, o Colorado experimentou uma redução de 81% no número de pessoas presas pelo porte de maconha, o que contribuiu para a redução da superlotação dos seus presídios. O número é bastante expressivo quando comparado com o resto do país: só em 2012, 749 mil norte-americanos estavam detidos por alguma violação à lei sobre maconha. Destes, 88% (658 mil) foram sentenciados apenas pela posse da erva. Estimativas indicam que existam cerca de 2,2 milhões de pessoas presas atualmente nos Estados Unidos, que possui a maior taxa de encarceramento do mundo: 716 presos para cada 100 mil habitantes.
Apesar da situação alarmante em grande parte do país, o Colorado tem dado um bom exemplo de uma política eficiente de combate ao crime. Desde que legalizou a maconha, o estado está experimentando uma redução considerável no número de crimes: até o momento, houve uma queda de 14,6% nos crimes na capital, Denver, contrariando críticos da legalização que apostavam num cenário contrário.
O turismo que a descriminalização provocou também é um grande exemplo: na fronteira do Colorado com Nebraska, 50% das detenções da polícia rodoviária de Sidney, uma pequena cidade do Nebraska, ocorrem em decorrência do porte da erva, geralmente comprada legalmente no Colorado. Isso indica que metade do trabalho dos oficiais de polícia na região poderia não existir e a polícia conseguiria se deslocar para combater crimes violentos, caso o porte da cannabis também fosse legalizada no estado.
As lições do Colorado para o Brasil
É impossível citar o recente caso de sucesso do Colorado sem fazer um paralelo com a situação brasileira. Em contraste com os Estados Unidos, que já possuem 23 estados (mais o distrito de Columbia) onde o uso medicinal da cannabis é permitido, o Brasil atualmente só possui um estado com uma lei (ainda que tímida) sobre o assunto. No último dia 09, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) regulamentou a prescrição do Canabidiol (CBD), substância presente nas folhas de maconha, que tem mostrado resultados no tratamento de pacientes com epilepsia. A Resolução 268/14 permite que médicos paulistas prescrevam a substância para pacientes que apresentarem sintomas de epilepsia grave, mas nada acrescenta sobre a produção ou venda do composto, que até o momento só tem chego ao país através de importações liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A agência, por sua vez, afirmou que pretende reclassificar a substância para a lista C1, onde se encontram fármacos que podem ser adquiridos somente com a receita normal, de duas vias. Mas, a última declaração sobre o tema foi emitida em maio e, até o momento, não existe nenhuma informação de quando ou como se dará a regulamentação da venda e da prescrição do CBD em nível nacional.
Até o momento, a Anvisa já liberou 113 pedidos de importação do canabidiol. Mas muitos pacientes se queixam da demora e da burocracia do processo, que em alguns casos pode ser fatal, como foi o desfecho do garoto Gustavo, de um ano. Portador da Síndrome de Dravet, condição rara que causa convulsões, o garoto morreu em junho devido à complicações da doença.
Antes do falecimento, porém, a família de Gustavo havia entrado com o pedido na Anvisa para importar o óleo de CBD. A Agência reconheceu a necessidade do medicamento e liberou a importação, mas as ampolas ficaram retidas na alfândega por 40 dias e chegaram tarde demais, dando ao menino somente 9 dias de uso da medicação, tempo insuficiente para apresentar resultados.
Em face à demora da Anvisa em tomar providências, já existem grupos de pessoas cultivando seus próprios pés de cannabis para a extração do CBD. Um deles foi motivo de notícia no jornal O Globo no último dia 12.
Segundo a reportagem, um grupo de cultivadores do Rio de Janeiro montou uma rede de extração artesanal do CBD e de outros formas medicinais da planta. O grupo é composto de médicos, cultivadores, advogados e até um policial. Apesar dos riscos, um dos fundadores do grupo diz que a “causa é mais importante”.
Os relatos dos usuários do extrato produzido pelos cultivadores são positivos: uma das mães afirma que sua filha, Deborah, passou de 30 para 7 convulsões por mês depois que começou a tomar a substância feita pelo grupo. Outra mãe, Margarete, conta que sua filha Sofia, de 5 anos, passou de 58 para 13 convulsões por mês após iniciar o tratamento com o composto.
Mas a legalização da cannabis para fins medicinais não é o único exemplo para o Brasil. A legalização da maconha para fins recreativos teria um impacto positivo no país.
Enquanto no Colorado a tendência é uma desocupação dos presídios, o Brasil ainda mantém mais de 130 mil pessoas presas somente pelo porte ou envolvimento com substâncias ilícitas, número que cresceu 123% no período 2006–2010. Com um custo anual entre 21 e 40 mil reais, só estes detentos são responsáveis por uma despesa entre 3 e 5 bilhões todos os anos. Além do impacto financeiro, os presos ainda contribuem para a superlotação dos presídios brasileiros, que já operam acima do limite: segundo o Ministério da Justiça, exite uma média de 1,69 presos para cada vaga – ou seja, celas com capacidade para 10 detentos são ocupadas, em média, por 17.
Como consequência, mais de 90% dos assassinos estão impunes. De acordo com dados oficiais, o número de assassinatos solucionados está abaixo de 8%, num país que matamais de 50 mil pessoas todos os anos. A guerra às drogas consome recursos e capital humano que poderia ser empregado no combate a crimes violentos.
Embora não existam estudos sobre o custo total da guerra às drogas no Brasil, estima-se que todos os anos o mundo todo desembolse algo em torno de 100 bilhões de dólares nesta batalha. Em alguns países, como o México, a situação é alarmante: o montante gasto pelo governo só com a violência gerada pela proibição das drogas já é o dobro do valo gasto com educação e saúde: 10% do PIB.
Em contrapartida, apesar do Brasil caminhar distante da legalização da cannabis, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) está levando a cabo a Sugestão Popular 8/2014, que pretende regulamentar o uso recreativo, medicinal e industrial da maconha no país. A proposta foi sugerida através do portal e-Cidadania e atualmente encontra-se em discussão na Comissão de Direitos Humanos, com a participação de psiquiatras, delegados, deputados, representantes de organizações religiosas e brasileiros que possuem experiência com a droga no tratamento de doenças.
O projeto, porém, está ameaçado pela pressão de outros parlamentares.
O senador Magno Malta (PR-ES), opositor da proposta, disse que pretende criar a Frente Parlamentar Mista contra a Legalização da Drogas, junto com seus aliados. Segundo ele, a frente terá o apoio de cerca de 75 senadores e 400 deputados, já que Malta pretende buscar apoio na Frente Parlamentar Mista da Família. Para ele, “grupos financistas” estão por trás da luta pela legalização da erva.
“A partir dessa frente, vamos aprofundar esse debate e não vamos aprovar (o projeto) a toque de caixa”, assegura o senador.
Outro parlamentar que se opôs ao projeto foi o senado Fleury (DEM-GO). Para ele, a liberação da erva medicinal será uma forma indireta de permitir o uso recreativo.
“Primeiro, porque o país não tem como fiscalizar o uso medicinal. E, segundo, porque o medicinal passará a ser o recreativo liberado”, afirma.
Cristovam, no entanto, não comentou as acusações.
Só nos resta aguardar para saber quando finalmente conseguiremos aprender com exemplos bem sucedidos como o de Colorado. Uma coisa é certa, porém – a guerra às drogas não funciona.
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